Governo federal investiu apenas 2,8% do orçamento da Educação de Jovens e Adultos, prejudicando mais uma vez a população mais pobre
São Paulo – O presidente Jair Bolsonaro e seu ministro da Educação, Abraham Weintraub, estão acabando com a participação do governo federal na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Dos R$ 54,4 milhões destinados ao programa este ano, apenas R$ 1,5 milhão foi aplicado, valor que equivale a 2,8% do total. Mais R$ 1 milhão foi usado para cobrir os chamados restos a pagar de 2018. “Eles não têm nem o que executar. Destruíram todos os programas que existiam. É até de se perguntar: gastaram dois milhões no quê?”, questiona o coordenador da Unidade de Educação de jovens e Adultos da Ação Educativa, Roberto Catelli.
A EJA já vinha sofrendo reduções significativas de orçamento desde 2014, quando a receita disponível a essa modalidade foi de R$ 679 milhões. Em 2017, já no governo de Michel Temer (MDB), o orçamento foi de R$ 161,7 milhões. Em 2018, foram R$ 68,3 milhões. Os dados constam da página
Siga Brasil, sistema de acompanhamento do orçamento federal, mantido pelo Senado. Apesar das reduções, a execução do orçamento vinha sendo próxima àquilo que fora planejado. Já este ano, “o quadro é de desolação”, na avaliação de Catelli.
“A gente tem uma
motivação estritamente ideológica nesse campo, mais uma desse governo. A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) era vista como um campo da esquerda, ‘dos comunistas’, essa loucura toda. E uma das primeiras medidas do governo foi justamente ceifar tudo que tivesse a ver com isso. E de uma forma cínica, acabar com tudo que tivesse a ver com EJA, reafirmando o preconceito contra os pobres do Brasil, como se o lugar deles fosse somente no trabalho manual e acabou”, afirma o coordenador da Ação Educativa.
Programas extintos
O governo federal não executa diretamente a EJA. Mas é responsável pelo fornecimento de material didático, formação de professores, desenvolvimento de programas e no repasse de recursos para apoiar as prefeituras na contratação de professores e outras despesas. Com a extinção da Secadi, todos os programas relacionados a indígenas, quilombolas e educação de adultos foram extintos, sem que se tenha criado qualquer outra secretaria ou política pública no lugar.
O primeiro programa afetado foi o do livro didático, que desde o governo Temer não era cumprido corretamente. Depois disso, foi o programa Brasil Alfabetizado, que já teve 1,5 milhão de alunos por ano. “No governo Temer reduziu para cerca de 250 mil pessoas e hoje a gente não tem qualquer informação sobre o programa, ele simplesmente desapareceu”, relatou Catelli.
Para ele, o impacto social da redução da oferta de EJA é gravíssimo para o Brasil. “Nós temos metade da população adulta no Brasil sem o ensino fundamental. O quadro é de desolação. Também tem redes municipais e estaduais espremidas pelas outras modalidades e acabam quase naturalmente sucateando a EJA. Porque é a que tem menos cobrança do ponto de vista do controle social. Redução pura e simples, que já vinha ocorrendo nos últimos anos, mas tende a se acelerar. Como o governo federal está mais ausente ainda, para a gestão pública local, se não tem dinheiro, não tem apoio, eu fecho”, avaliou.
Em São Paulo
Mesmo o estado de São Paulo vem praticando uma redução das matrículas da EJA, nos últimos três anos. Dados do Centro de Informações Educacionais da Secretaria de Estado da Educação mostram que, em 2014, eram 140,4 mil matrículas em EJA. Em 2016, o número caiu para 135,4 mil matrículas. No ano passado foram 117,8 mil. Na cidade de Campinas, o Ministério Público abriu inquérito para investigar o fechamento de salas da EJA proposto pela prefeitura (de Jonas Donizette , do PSB) para 2020, reduzindo de 24 para 15 salas de aula nesta modalidade.
Na vida de quem não conseguiu completar a educação básica, a EJA faz diferença. “Agora eu me sinto gente. É um orgulho. Até pros meus filhos. Tanta coisa que a gente não consegue por falta de estudo. Eu não sou jovem, mas sei que ainda posso aprender muito”, diz o pedreiro Roberto Araújo da Silva, aluno do programa. Aos 58 anos, ele conseguiu concluir o ensino fundamental. E agora espera poder cursar o ensino médio em breve.
“Eu acho que não pode acabar com isso aí não. É muita maldade das pessoas, não pensam em quem teve dificuldade na vida. As pessoas não deixam de estudar porque não querem, porque não gostam. Têm muita dificuldade. Eu fui trabalhar cedo, na construção, de servente, depois pedreiro. Não é porque quer, é porque precisa”, defendeu Silva, que hoje faz questão que os netos não deixem a escola. “Vou dar exemplo, agora”, brincou.
A situação de Silva não é exclusiva das pessoas com mais idade. Um conjunto de problemas familiares tirou Gervásio Araújo de Lima da escola, quando cursava a 5ª série. Aos 18 anos, ele acaba de concluir o ensino fundamental e se prepara para iniciar o 1º ano do ensino médio em 2020. E sonha. “Eu me sinto realizado, mas pela metade. Porque eu ainda não terminei o ensino médio. Eu vou terminar o ensino médio porque eu tenho muitos planos pra minha vida ainda. Quero ter um bom emprego, quem sabe uma faculdade”, disse.
A busca por trabalho foi um empurrão para prosseguir os estudos, lembrou Gervásio. “Alguns meses atrás eu fiz uma prova para trabalhar como Jovem Aprendiz. Eu passei nessa prova, mas na série que eu estava eles não aceitaram, porque eu ainda estava no fundamental. Eu tive que primeiro passar de ano, depois mostrar meu histórico pra empresa. E agora eu vou começar a trabalhar em janeiro”, contou. “Se acabar com a EJA, muitos jovens como eu ‘vai ficar largado’. É uma oportunidade, não pode acabar”, conclui.