por Roberta Traspadini
A ideia de sustentabilidade defendida nos discursos propagandistas das grandes
empresas de produção e midiáticas, cai por terra quando as catástrofes, nada
naturais, ocorrem. O caso do rompimento da barragem em Mariana expõe:
1. A vulnerabilidade de um grupo expressivo de trabalhadores
que vivem ou da venda de sua força de trabalho, ou da condição de
“auto-gestores” de sua sobrevivência, como as populações ribeirinhas, em tempos
de acentuação da precarização do trabalho.
2. A participação orgânica das esferas públicas em associação
direta com os grandes capitais tanto na proposta, quanto na execução das
políticas do desenvolvimento.
3. A necessidade, do capital, de participação conjunta entre
esferas públicas e privadas para a resolução de situação como estas. No momento
da catástrofe, o discurso de Estado mínimo não existe e apontam como natural
algo socialmente produzido.
4. A grande mídia protagonista de notícias intencionalmente
construídas que expressa e reforça uma comoção nacional, sem abrir um debate
sobre os impactos ambientais e sociais do modelo via lucro sobre a vida.
5. A centralidade posta na solidariedade, como única
alternativa comum próxima à consigna “um por todos, todos por um”, em
substituição às políticas de socorro às reais vítimas: os trabalhadores.
Mas, e quando não há catástrofe, só lucro? O lucro da Vale pertence a todos?
Não pertence a poucos, frente a muitos “nenhuns”?
O desenvolvimento é uma questão sempre em aberto. Urge ser
debatido com profundidade pois expõe, nos momentos de dramas como as
catástrofes sociais, a história das mazelas do subdesenvolvimento. A catástrofe
atinge vários sujeitos e coloca na pauta do dia a discussão sobre o que se tem,
e o que se quer. Mas não o faz fora da perspectiva de classe pois, ainda que
muitos sejam atingidos, não o são na mesma magnitude.
O debate sobre desenvolvimento apresenta problemas históricos que se acentuam
ao longo dos desdobramentos do capital no Brasil: latifúndio, monocultivo,
contaminações de toda ordem, trabalho precarizado, fome, dívida, desemprego,
diferenças de acesso às políticas públicas, etc.
A hegemonia da ideia de progresso levadas a cabo no Brasil desde 1940,
manifesta a atual centralidade do complexo agroindustrial, que exige: - A
consolidação contínua de grandes barragens; - Um sistema logístico que escoe
suas mercadorias; - A transposições de rios; - A ampliação do extrativismo; - a
remoção de famílias de áreas que entram na valorização imobiliária; - A
especulação de tudo o que pode se tornar mercadoria, entre outros feitos do
capital financeiro nos territórios. Na ode dos megaprojetos o grande capital
não se preocupa com as múltiplas poluições da natureza somadas à acentuação da
superexploração do força de trabalho.
Para o capital, desenvolvimento narra sua moral consolidada de forma objetiva:
o lucro. Logo, seu único temor é a baixa do lucro. Seu único projeto, é a
ampliação do lucro. A qualquer custo, desde que o mesmo seja calculado por
eles, fiscalizado pelo Estado – parceiro manifesto nos financiamentos de
campanhas - e, caso haja algo que saia da rota, compartilhado por todos, de
forma “mosqueteira”.
A tragédia, cujas fissuras foram abertas em Mariana e se propagaram para outras
regiões de Minas Gerais e Espírito Santo, é um exemplo real do sentido que a
burguesia dá ao desenvolvimento. Esses poucos gigantes, ainda que
momentaneamente afetados no bolso, não correm riscos de vida nessa catástrofe.
Pois, o capital acumulado ao longo da história, às custas do sangue e suor dos
trabalhadores e da extração dos recursos naturais nos quais essa riqueza se
firma, permitem que ele se recupere em pouco tempo da perda econômica fruto de
sua própria negligência.
E no caso dos trabalhadores afetados por essa catástrofes? Quem garante a
retomada de suas vidas? Como se recuperam de um dano dessa dimensão?
O Governo Federal modificou legalmente um artigo para poder incluir a
catástrofe social como processo natural. Com isso permite que o trabalhador
saque o FGTS para reconstrução de suas casas. Mas isso esse é o único caminho
viável? Mesmo que seja legal, é justo? Isso não explicita a forma como o
governo lê quem deve pagar as contas de uma catástrofe social como esta cujos
protagonistas são evidentes? Todos sofrem da mesma maneira? Todos correm os
mesmos riscos? Quem paga a conta, por trás do conto da solidariedade?
O debate sobre o desenvolvimento exige explicitar as coisas como elas de fato
são: processo desigual e combinado, ancorado em uma estrutura de coisificação
da força de trabalho e da natureza. No progresso ou na crise, os donos do
capital manifestam a equação social sobre quem paga a conta do progresso, na
opulência depredadora de poucos gigantes proprietários privados.
Em tempos de ideias pós-modernas a catástrofe social e histórica na lama do desenvolvimento
nos exige parar de discutir sobre o menos pior e voltar a pensar sobre o
inédito e necessário processo viável de reconstrução em outros projetos de
desenvolvimento para além do capital. A relação entre os seres humanos, demais
seres vivos e natureza neste modelo de desenvolvimento não é sustentável e
nunca será. Suas bases são enraizadas na sangria dos corpos e no veneno da
terra.
A catástrofe de Mariana, narra - nas raias da louca corrida pela ampliação dos
lucros pelo capital financeiro monopolista que compõe a Vale -, o terror do
desenvolvimento capitalista desmedido que utiliza a natureza e o ser humano
como objetos para a produção de riqueza na forma de propriedade privada de
poucos.
É lastimável que em tempos de crises como o atual, alguns na defesa do ideal,
não sejam capazes de expor e tomar partido sobre as reais condições de vida do
povo numa sociedade como essa. Sem tomar partido, sem diferenciar um processo
de outro, o tema concreto ganha valores morais e as ideias em vez de serem
debatidas como projetos societários de disputa de poder, transformam-se em
caminhos coletivos de socorros comuns. Mas não há igualdade possível numa
sociedade que se ancora na desigualdade. Nem liberdade concreta quando os
mecanismos de escravização são obter rendas mínimas para consumos
desnecessários máximos. Frente à catástrofe se abre um debate sobre a política,
a natureza do modelo de desenvolvimento e a possibilidade do porvir.
Roberta Traspadini é professora da Universidade Federal da Integração
Latino-Americana
Fonte: Carta Maior
CSPB